Pode não ser tarde de mais para uma pequena correcção no rumo da maneira como todos consumimos e avaliamos (ou não) a informação num ambiente digital. Mas incluir alguma diversidade ideológica nas “dietas mediáticas” dos leitores está longe de ser um remédio milagroso para o problema da desinformação e das “câmaras de eco” parciais que dividem a sociedade em realidades isoladas.
“A ideia de que para chegarmos à verdade basta, por exemplo, ler apenas o Breitbart e depois o Truthout, e que de alguma forma vamos chegar à verdade, é uma ideia um pouco bizarra”, disse Mike Caulfied, quando lhe falei de amigos que, na sequência das eleições norte-americanas, tentam “equilibrar” a “parcialidade de esquerda” nos meios de comunicação que consomem.
Caulfied, que é director de educação combinada e em rede na Washington State University Vancouver, tem trabalhado nos últimos meses num projecto-piloto de uma wiki de verificação de afirmações para estudantes universitários na Digital Polarization Initiative (Digipo), que incentiva os estudantes a ter em conta os ecossistemas onde essas informações têm origem, bem como os ecossistemas em que estas são, posteriormente, mais discutidas. (Caulfield explica em profundidade o motivo da estrutura das páginas neste artigo).
A wiki acolhe submissões feitas por estudantes de várias alegações que circulam online, numa variedade de áreas que vão para lá da política, incluindo o ambiente, o discurso de ódio, a raça, a imigração, a psicologia e as neurociências. Os alunos das instituições participantes trabalham em público, colectivamente, de modo a preencher o ciclo de vida de uma alegação e resumir e medir os pontos de vista que foram partilhados online sobre ela, numa espécie de Know Your Meme sobre informação viral.
Por exemplo, a página sobre a famosa alegação “três milhões de imigrantes ilegais votaram” inclui o seguinte raciocínio cauteloso dos alunos sobre a veracidade desta alegação: “Não há boas razões para acreditar nesta alegação e há numerosas razões para duvidar dela”, concluiu o estudante que editou esta página da wiki. “A razão principal para duvidar é que não foi apresentada nenhuma prova. Todo este argumento é um tweet em que alguém alega ter provas”. Também é possível consultar as revisões da página, encontrar uma lista de sites que divulgaram a alegação original e visitar ligações para mais análises sobre a alegação. A alegação sobre fraude eleitoral foi classificada como “altamente improvável” – uma designação que pode facilmente ser disputada através da edição da wiki, sugeriu Caulfield.
“Quando procuramos a verdade, a nossa definição simples, para o propósito desta wiki, é que ‘a verdade’ é algo em que as pessoas em posição de a saber geralmente acreditam, e que é provável que digam a verdade”, explicou Caulfield. “Mas as pessoas estão a ficar obcecadas com a componente “É provável que digam a verdade?”, sem abordarem a questão “Será que estão em posição de a saber?” (Os sites que reúnem e manipulam as reportagens de outras pessoas ou os que se baseiam em fontes que não estavam presentes num acontecimento para opinar sobre o que aconteceu ali? Não estão em posição de saber.)
Esta wiki faz parte do American Democracy Project da Associação Americana de Faculdades e Universidades Estatais (AASCU), que começou pouco depois das eleições americanas de Novembro. Até agora, só foi partilhada dentro da rede da AASCU, mas toda a gente com um endereço de email .edu se pode registar – uma preparação para um lançamento mais alargado em Junho. Até agora, há várias escolas envolvidas na wiki e os argumentos para a sua utilização vão muito além de ensinar literacia para os media.
“É uma ideia que se insere bem em muitas disciplinas diferentes. Podemos usá-la numa aula sobre políticas públicas, numa aula sobre escrita”, disse Caulfield. Há uma disciplina de neurociências que está a usar a wiki para abordar alegações suspeitas sobre as ciências psicológicas. Uma disciplina sobre ambiente está a analisar as tensões que rodeiam o consumo de água e os factores que contribuem para as secas.
A wiki está ligada ao widget de anotações Hypothesis, para permitir aos estudantes apontar frases específicas em todas as ligações que fazem para sustentar a sua verificação de factos. O processo de escrita de novas páginas pode parecer ultrapassado aos estudantes (“a tecnologia das wikis públicas parece ter anos de atraso”) e há utilizadores que escrevem num Google Doc, que depois é importado para a wiki. O software de open source DokuWiki, utilizado pela Digipo, é apenas uma solução temporária. Idealmente, segundo Caulfield, encontraria um parceiro tecnológico que poderia fornecer uma plataforma mais fácil de usar, e que não teria necessariamente de envolver apenas alunos.
“Se outras pessoas pudessem construir essa estrutura, podíamos concentrar-nos só na pedagogia, fazer os alunos pensar sobre estes temas, e as pessoas que são muito melhores nesta componente podiam tratar da tecnologia”, disse Caulfield. “Temos de criar algo melhor do que o Google Docs.”
The Portuguese version of this story was published with Publico. Translation by Rita Monteiro.